Esse texto visa explanar a teoria do caso fortuito e força maior nas relações contratuais. Trata-se de uma importante previsão legal aplicável à s obrigações diante de eventos como o CoronavÃrus.
Você verá:
- A PANDEMIA E SEUS EFEITOS
- CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR
- APLICAÇÃO PRÃTICA
- CONCLUSÃO
A pandemia e seus efeitos
O mundo, hoje, vive um momento histórico: o surgimento do novo CoronavÃrus. Trata-se de um evento extraordinário que vem afetando a vida social e econômica de todos.
Após a decretação no paÃs de estado de emergência nacional e caracterização da Covid-19 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma pandemia, as medidas adotadas no mundo e no Brasil para reduzir o contágio e os efeitos causados pelo CoronavÃrus têm sido as mais diversas.
Além da redução do contágio, busca-se amenizar problemas gerados ao comércio, à fragilidade dos empregos e ao cumprimento dos contratos.
No âmbito do Direito, a Covid-19 tem afetado também as relações jurÃdicas. Seja para pessoa fÃsica ou pessoa jurÃdica, as medidas para garantir o equilÃbrio dessas relações serão mais que necessárias.
Os impactos nas relações contratuais estão presentes nos mais diversos setores da atividade econômica. Podem implicar na impossibilidade do cumprimento de prazos, preços, cláusulas pré-estabelecidas ou vencimentos.
Esse impedimento de cumprir devidamente as obrigações trata-se, claramente, de uma situação de caso fortuito e de força maior.
Nesse sentido, as relações jurÃdicas afetadas abrangem as mais variadas situações. Podem ser comerciais – entre empresas ou relações civis -; relações entre pessoas fiÌsicas e empresas; entre empresas e consumidores; entre pessoas fiÌsicas e juriÌdicas com o Poder PuÌblico. Enfim, sua abrangeÌ‚ncia eÌ bastante ampla.
As relações de obrigação entre pessoas, geralmente formalizadas em contratos, são idealizadas para sucumbir quando efetivamente cumpridas. No entanto, em situações especiÌficas, o fim do viÌnculo obrigacional não se daÌ pelo cumprimento da obrigação. É o caso do cenário atualmente vivenciado, em que é aplicável a teoria do caso fortuito e força maior.
Caso Fortuito e Força Maior
O art. 393 do Código Civil brasileiro assim dispõe:
“Art. 393. O devedor não responde pelos prejuÃzos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possÃvel evitar ou impedir.â€
Inicialmente, é importante ressaltar que não cabe aqui discutir as diferenças entre caso fortuito e força maior. Com relação a isso, sequer há consenso na doutrina ou jurisprudência. Seja um ou outro, o efeito será exatamente o mesmo: impedir a configuração de responsabilidade.
Ambos dizem respeito a um fato necessário — de forma que não haja culpa de nenhuma das partes envolvidas; superveniente; e inevitável. Ou seja, tais caracterÃsticas qualificam a atual pandemia. A própria doutrina, como por exemplo de Luiz Olavo Baptista, classifica pandemia como evento de força maior.
Ainda, nesse mesmo sentido, é possÃvel citar a epidemia de H1N1 ocorrida em 2009. Nesse caso, o Poder Judiciário autorizou, por exemplo, o cancelamento de um contrato, com a devolução do preço, uma vez que “o agravamento da epidemia de gripe causada pelo vÃrus H1N1, nos paÃses da América do Sul, era imprevisÃvel”.
Ainda se referindo ao H1N1, o juiz referiu que “a disseminação do vÃrus é hipótese de caso fortuito, ou seja, acontecimento que escapa a toda diligência, inteiramente estranho à vontade do devedor da obrigação” (TJ/SP – Ap 0017080-71.2010.8.26.0019 – j. 29/9/2014 – relator Gomes Varjão – DJe 1/10/2014).
Aplicação prática
É certo concluir então que todo contrato existente durante a pandemia pode ser afetado pela teoria do caso fortuito e força maior? Calma lá.
Agora que já foi possÃvel entender a parte teórica, é preciso delimitar como tal teoria aplica-se na prática. Aqui são imprescindÃveis algumas considerações:
- A teoria não se aplica a eventos com data de cumprimento anterior à decretação da pandemia;
- A limitação do alcance do caso fortuito ou força maior incide apenas na parte da obrigação que seja efeito dela;
- Não importa a posição contratual, ou seja, o polo da relação ocupado. A obrigação compete ao contratante ou ao contratado, pois a Lei refere-se ao devedor no sentido daquele que deve implementar a obrigação;
- A regra não é a aplicação da teoria do caso fortuito ou força maior. A segurança juriÌdica exige que as obrigações e contratos não sejam frequentemente sujeitos a interfereÌ‚ncias externas. Nesse sentido, dispõe o art. 421-A, III do CC: a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada.
É inegável que, para identificar se determinada parte possa valer-se desse instituto jurÃdico, é preciso examinar, caso a caso, as disposições contratuais. Aqui cabe analisar as condições gerais do negócio; se há cláusula de exoneração por força maior; na ausência de disposição contratual, como se deve proceder, etc.
É preciso examinar, ainda, se a execução do contrato não se tornaria excessivamente onerosa para uma das partes, promovendo desequilÃbrio contratual. Se esse for o cenário, decorrente de acontecimentos extraordinários e imprevisÃveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato.
Tal análise também deve considerar a data da celebração do contrato. Se firmado no inÃcio de 2020, é possÃvel que a pandemia não seja considerada um caso de força maior. Nesse caso, o requisito da imprevisibilidade não estaria presente.
Por fim, deve-se observar se a relação é regida pela função social do contrato e pelo princÃpio da boa-fé objetiva. Tais aspectos são base do direito contratual.
Conclusão
Infelizmente, o mundo encontra-se diante desta situação inesperada e extraordinária. Medidas drásticas e inéditas estão sendo submetidas a pessoas fÃsicas e jurÃdicas. A cada dia, novas disposições são editadas pelo Poder Público, afetando diretamente as atividades empresariais, econômicas e sociais.
As relações terão de ser repensadas ou repactuadas, a fim de que seja restabelecido o importante reequiliÌbrio que rege as obrigações contratuais. A manutenção dos contratos terá de ser analisada caso a caso. Nesse sentido, cabe ressaltar a possibilidade de renegociação advinda de meÌtodos alternativos de resolução de conflitos.
Mesmo que Judiciário adote a teoria do caso fortuito ou força maior no cumprimento de obrigações contratuais, é importante ter em mente que essa solução pode não ser suficiente para garantir o adimplemento das obrigações.
Alternativas como aumento da concessão de crédito, perÃodos de carência e proibição do aumento da taxa de juros também poderão auxiliar nesse contexto.