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Os negócios jurídicos bilaterais, além de uma obrigação principal, são compostos de obrigações acessórias e de deveres anexos. Estes últimos são responsáveis por ditar comportamentos durante a execução do contrato. É nesse ínterim que surge o dever de cooperação entre as partes de uma relação contratual.

Neste post, serão tratados os seguintes assuntos:

  • Breve evolução dos contratos
  • A boa-fé objetiva como standard de condutas
  • O dever de cooperação entre as partes
  • O desequilíbrio contratual e suas implicações
  • Paralelo com a crise do Coronavírus
  • Medidas propostas para reequilíbrio contratual no direito bancário

 

 

Breve evolução dos contratos

O contrato, em sua concepção tradicional, era tido como objeto de controvérsia entre as partes envolvidas. Sob a égide do Estado liberal, predominava o individualismo e a relação antagônica entre os contratantes. No Código Civil de 1916, o princípio da manutenção contratual era considerado um dos mais importantes. Nesse sentido, se partes negociavam de um modo, era porque, com base na livre iniciativa, assim o queriam e, portanto, as condições não poderiam ser alteradas.

A Constituição de 1988 e o Código Civil de 2002 estabeleceram, no ordenamento jurídico brasileiro, a ideia de solidariedade entre as partes envolvidas em uma relação contratual. Nesse sentido, em observância ao princípio da dignidade da pessoa humana, vige uma concepção social do contrato, que limita a liberdade de contratação. Passa-se para uma visão mais humanista das relações, considerando as mudanças que podem ocorrer na sociedade e na vontade individual. A obrigação, portanto, passa a ser vista com dinamismo, pregando deveres mútuos entre as partes, que devem agir conforme a boa-fé.

 A boa-fé objetiva como standard de condutas

A liberdade contratual é princípio que rege as relações entre os indivíduos, ainda que com limitações. Através do contrato, contrai-se uma obrigação para com a outra parte. A boa-fé, nos dias atuais, impõe a conduta a ser adotada nas relações contratuais. A atuação deve ser cooperativa, respeitando-se os interesses e expectativas da outra parte. Desse modo, a relação se desenvolve de forma equilibrada e eficiente.

A boa-fé é princípio orientador de todas as relações obrigacionais, mas não impede o desenvolvimento da autonomia das partes. Trata-se de uma máxima que prega pela liberdade negocial, sem que provoque prejuízo à outra parte. Agir com boa-fé é agir conforme os ditames éticos. Nesse sentido, o art. 422 do Código Civil:

“Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”

A boa-fé é dotada de três funções principais: interpretativa, limitadora e criadora de deveres. A primeira determina que a vontade das partes deve ser interpretada conforme a boa-fé. A segunda serve para verificar se as partes estão agindo conforme a lei ou agindo de forma abusiva. A terceira, por fim, estabelece deveres implícitos à relação contratual.

A relação obrigacional, como visto, é composta de um dever principal e de deveres anexos que devem ser cumpridos pelas partes. O dever principal é o motivo pelo qual foi firmado o contrato. Os deveres anexos, por outro lado, não estão ligados à prestação principal do devedor. Eles decorrem do princípio da boa-fé e sua função criadora de deveres.

O dever de cooperação entre as partes

Do princípio da boa-fé, decorre o dever de cooperação. Este baseia-se na colaboração recíproca entre as partes para o cumprimento da obrigação principal. Não se tem mais a ideia de que, em um contrato, as partes estão em posições adversárias. A cooperação impõe limites para as partes, que devem agir com colaboração para o desenvolvimento do contrato e para um resultado favorável para ambas. O dever de cooperação, portanto, deve ser respeitado desde o nascimento do negócio, durante a sua execução e, inclusive, na sua extinção.

Na formação do contrato, o dever de cooperação estabelece prestações recíprocas que obedeçam às expectativas legítimas das partes. Desde a fase pré-contratual, antes da proposta, é importante o respeito à boa-fé objetiva, a fim de promover a confiança entre os contratantes.

Na execução do contrato, o princípio da boa-fé e o dever de cooperação trazem implicações relativas à conduta das partes. O credor deve possibilitar que a obrigação seja cumprida, sem dificultar o adimplemento por parte do devedor. Do mesmo modo, o devedor deve assumir conduta que possibilite o cumprimento da obrigação. Isso promove o equilíbrio contratual e o desenvolvimento justo do negócio.

O desequilíbrio contratual e suas implicações

Uma vez desrespeitadas a boa-fé e a cooperação, ocorre um desequilíbrio contratual, que causa prejuízo a uma das partes. O desequilíbrio, no ordenamento jurídico brasileiro, pode ensejar a revisão contratual, ou até mesmo o seu desfazimento, quando não for possível o ajuste. A revisão, primeiramente prevista no Código de Defesa do Consumidor, visa ao restabelecimento do equilíbrio contratual, através de alterações no negócio. Dentre as causas de revisão dos contratos, pode-se citar: presença de cláusulas abusivas, caracterização de lesão e onerosidade excessiva superveniente.

A presença de cláusulas abusivas coloca um dos contratantes em posição de desvantagem. Por esse motivo, devem ser consideradas nulas, a fim de manter as partes em patamar de igualdade.

A lesão ocorre quando uma das prestações é desproporcional, em razão de desconhecimento da parte prejudicada ou de necessidade premente. Nesses casos, também pode ocorrer a revisão, de modo a equiparar as prestações. Se não for possível a renegociação, o contrato deve ser extinto, uma vez que já nasceu com vício.

Ainda, o negócio, durante a execução, pode se tornar desequilibrado por um evento inesperado e inevitável. Nesse caso, configura-se o caso fortuito ou força maior, que dá origem à onerosidade excessiva para uma das partes. Por esse motivo, torna-se possível a resolução contratual, que pode ser evitada pela revisão contratual. Esta é possível, conforme previsão nos artigos 478 a 480 do Código Civil, com a modificação equitativa das condições do contrato.

Desse modo, o dever de cooperação mostra-se de vital importância nas relações contratuais. Quando houver desequilíbrio da relação é esperado que as partes, levando em conta a boa-fé, renegociem e tentem reequilibrar a contratação, a fim de manter a equidade de prestações.

Paralelo com a crise do Coronavírus

No cenário atual, mostra-se de crucial importância o cumprimento do dever de cooperação. Uma das partes, diante do evento imprevisível, pode ser prejudicada com as modificações ocorridas na economia. A parte que não foi prejudicada com a crise deve, em face do prejuízo inesperado da outra, possibilitar uma renegociação. A cooperação entre as partes abrange a informação e transparência, que determinam o esclarecimento entre as partes sobre sua situação. A informação provoca maior garantia quanto às intenções do credor ou devedor, o que gera maior confiança na relação.

No direito bancário, se caracterizada a onerosidade excessiva, o dever de cooperação poderia estabelecer, por exemplo, que os bancos afastassem a cobrança de encargos e acessórios da dívida, como os juros moratórios e as multas contratuais. Ainda, poderia propor prorrogação de prazos para pagamento das obrigações, em face da evidente dificuldade do cliente durante a crise. O banco, por estar em vantagem, deveria agir com solidariedade e bom senso, garantindo melhores condições de cumprimento do contrato.

Medidas propostas para reequilíbrio contratual no Direito Bancário

Nesse sentido, estão sendo tomadas certas medidas para garantir o dever de cooperação entre as partes no Direito Bancário, para evitar que os bancos fiquem em condição de vantagem em relação aos clientes. Pode-se citar decisão recente da Justiça Federal do DF em Ação Popular proposta frente à União e do Presidente do Banco Central. Foi deferida liminar “para determinar que todas as instituições do Sistema Financeiro Nacional se abstenham de aumentar a taxa de juros ou intensificar as exigências para a concessão de crédito”.

Ainda, foi proposto o PL 1397/2020, ainda não aprovado, que prevê medidas emergenciais através de alterações na Lei 11.101/2005, que seriam válidas até o final do ano, para prevenir a crise econômico-financeira. Dentre as disposições, é prevista a suspensão de ações judiciais de natureza executiva que envolvam discussão ou cumprimento de obrigações vencidas após 20/03/2020, e de ações revisionais de contrato. Além disso, dispõe sobre a vedação, por 60 dias, de decretação de falência de empresas, de despejo por falta de pagamento, de resolução unilateral de contratos bilaterais e de cobrança de multas. Prevê, também, um procedimento de jurisdição voluntária de negociação preventiva ao devedor que comprovar redução igual ou superior a 30% de seu faturamento comparado com a média do último trimestre.

Percebe-se, portanto, que medidas estão sendo propostas para possibilitar o reequilíbrio da relação entre o Banco e seus clientes. Estes sofreram grandes mudanças na sua posição contratual em razão da pandemia do Coronavírus. Os bancos, por outro lado, apesar de proporem ações para minimizar o impacto econômico dos clientes, não vêm as colocando em prática. Por isso, pode-se dizer que não vêm cumprindo com o seu dever de cooperação para com o cliente. Nesse sentido, cabe ao judiciário promover o desenvolvimento justo do contrato, com o restabelecimento do equilíbrio entre as partes.

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