AFINAL, O QUE MUDOU NA EXECUÇÃO DE ALIMENTOS NO NOVO CPC?
Vale a pena ler todo o texto, mas se você quer ir direto ao ponto, lá vai:
O que mudou, e é relevante, é o seguinte:
(a) A matéria passa a ser tratada com mais detalhe nas disposições que tratam do cumprimento de sentença, e não mais apenas dentro do processo de execução;
(b) É possÃvel protestar a decisão judicial, definitiva ou provisória, que fixa a obrigação alimentar – Artigo 528 § 1o;
(c) A referência à impossibilidade absoluta de pagar. Dependendo do tratamento que este dispositivo tiver, as execuções tendem a ser mais rigorosas. Artigo 528 § 2o;
(d) O regime de prisão passa a ser fechado. O CPC/73 não definia isso, e a tendência era o semi-aberto – Artigo 528 § 4o;
(e) Se positivou a súmula 309 do STJ, segundo a qual “O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo†– Artigo 528 § 7o;
(f) Possibilidade de desconto em folha de pagamento para satisfação dos débitos vencidos, podendo o desconto chegar a 50% dos ganhos lÃquidos do executado – Artigo 529 § 3o.
Agora que você matou a curiosidade, sugiro que respire e leia o texto inteiro com calma, até o fim.
O novo Código de Processo Civil (NCPC), lei 13.105/15, entrou em vigor em 18 de março de 2016 (conforme definição do STJ e do CNJ). Várias dúvidas surgiram não só nos operadores do direito, mas também nas pessoas em geral, sobre o que de fato mudou.
Um dos temas de interesse é a execução de alimentos. Tanto que foi objeto de matéria veiculada pelo programa Fantástico, da Rede Globo, no dia 13 de março de 2016.
Mas afinal, o que mudou na execução de alimentos com a entrada em vigor do NCPC? Vamos tentar tratar do assunto neste breve artigo.
Antes, porém, é interessante relembrar alguns aspectos do direito material em relação aos alimentos. Quanto à sua fundamentação, respeitados autores que se dedicam ao tema, como Maria Berenice Dias (2007), costumam vinculá-lo ao princÃpio da solidariedade. Ou ainda como um desdobramento do princÃpio da dignidade humana, na medida em que um dos direitos fundamentais do ser humano é o de sobreviver (1).
Quanto à conceituação, Flávio Tartuce (2015), invocando os ensinamentos do Orlando Gomes e Maria Helena Diniz, entende que “os alimentos podem ser considerados como as prestações devidas para a satisfação das necessidades pessoais daquele que não pode provê-las pelo trabalho próprio†(2). Na mesma linha, SÃlvio de Salvo Venosa (2008) entende que os alimentos servem para a satisfação de necessidades essenciais da vida em sociedade. Portanto, englobam, além da alimentação, também o que for necessário para moradia, vestuário, assistência médica e instrução (3).
É mais comum relacionar os alimentos ao direito de famÃlia, decorrente das relações de parentesco, ou decorrente do casamento ou união estável. Mas os alimentos também podem decorrer da vontade das partes, sendo estipulados contratualmente ou em testamento. Ou ainda de ato ilÃcito (responsabilidade civil), ocasião em que são denominados de indenizatórios ou ressarcitórios.
Quanto aos critérios para a sua fixação, a doutrina clássica sedimentou o binônio necessidade/possibilidade. Ou seja, os alimentos devem ser fixados levando em conta as necessidades daquele que recebe e as possibilidades daquele que presta a obrigação. Mais recentemente, tem se falado em trinômio, se acrescentando o critério da proporcionalidade, ou da razoabilidade.
Vale dizer, deve-se examinar as circunstâncias do caso concreto, em que nem sempre é possÃvel assegurar ao alimentando a manutenção do mesmo padrão de vida anterior à imposição do encargo. Ou ainda, levar em conta as possibilidades, ainda que parciais, de o alimentando suprir-se, como por exemplo no caso da mulher jovem, com plena condição e formação para o trabalho (4).
Já o regramento para a fixação dos alimentos é dado pela lei de alimentos, lei 5478/68, a que se remete o leitor. O objetivo aqui é examinar as alterações na execução da obrigação que já foi fixada.
Feito este breve sobrevoo sobre as questões de direito material que fundamentam a obrigação alimentar, bem como feita a indicação da fonte legislativa que disciplina a sua fixação, cumpre-nos agora responder à pergunta do tÃtulo: AFINAL, O QUE MUDOU NA EXECUÇÃO DE ALIMENTOS NO NOVO CPC?
(a) O CPC/73, agora revogado, previa a execução da prestação alimentÃcia apenas dentro do livro das execuções, nos artigos 732 a 735. Ou seja, não havia regramento algum dentro do capÃtulo do cumprimento da sentença, que se iniciava a partir do artigo 475-I, a respeito especificamente da execução da obrigação alimentar.
O Novo CPC atualiza esta questão, incluindo no tÃtulo II do livro I da parte especial o capÃtulo IV – Do cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de prestar alimentos. Os artigos 528 a 533 disciplinam todas as questões relativas a esta espécie de cumprimento da sentença. E no livro II, que trata do processo de execução, está inserido, no tÃtulo II – das diversas espécies de execução, o capÃtulo VI – execução de alimentos, para o caso de execução fundada em tÃtulo executivo extrajudicial que contenha obrigação alimentar. Neste capÃtulo, o parágrafo único do artigo 911 afirma que se aplicam, no que couber, os §§ 2o. a 7o. do artigo 528.
Vale dizer, a essência do regramento da exigência desta obrigação está na porção do código que trata do cumprimento de sentença, pois a maioria dos casos ali se enquadrará. Os tÃtulos extrajudiciais tendem a ser em menor número, via de regra vinculados a obrigações de natureza contratual. Mesmo para estes, aplicam-se subsidiariamente os regramentos insertos nos dispositivos que tratam do cumprimento de sentença.
Além da atualização topográfica do tratamento da matéria, acima referida, as novidades propriamente ditas, as mudanças, estão relacionadas com os seguintes pontos:
(b) Possibilidade de protesto do pronunciamento judicial que fixou a obrigação alimentar (artigo 528 § 1o) – Tanto a decisão que fixa alimentos provisórios, em sede liminar, quanto a decisão definitiva, podem ser levadas a protesto, na condição de tÃtulos judiciais que são. A condição para que o protesto seja autorizado é que o devedor, regularmente intimado, não pratique um dos seguintes atos em até 3 dias: pague o débito, prove que o fez, ou justifique a impossibilidade de fazê-lo.
Ou seja, se dentro deste prazo de 3 dias o devedor apresenta sua resposta, por exemplo justificando a impossibilidade de ter feito o pagamento, ainda não é possÃvel efetivar o protesto. Este somente será possÃvel se o juiz não aceitar a justificativa (artigo 528 § 3o).
Outro detalhe importante com relação ao protesto é que este deve se dar observando o disposto no artigo 517, que disciplina os critérios e o procedimento para o protesto de decisões judiciais em geral. A distinção, com relação ao protesto do pronunciamento judicial que fixou a obrigação alimentar, é que não se exige o trânsito em julgado. Isso se justifica dada a natureza desta obrigação, que dentre outras caracterÃsticas é irrepetÃvel, e também devido à clara intenção do legislador de dar celeridade a sua satisfação.
(c) A referência à impossibilidade absoluta de pagar, prevista no Artigo 528 §2o. Em uma primeira mirada, esta pode ser uma alteração menor. No entanto, pode vir a converter-se em cânon interpretativo que autoriza um rigor aumentado no exame das justificativas apresentadas pelo devedor. A expressão “impossibilidade absoluta†é um conceito jurÃdico indeterminado, ou ainda, uma cláusula geral, que permite, ou exige, do órgão jurisdicional, um papel mais ativo na criação do direito. Precisa portanto ser preenchida pela atividade interpretativa do julgador, indo além da simples subsunção da norma ao fato. E considerando também as circunstâncias do caso concreto, tendo por base toda a estruturação do sistema jurÃdico.
Sem querer descer a uma erudição jurÃdica mais sofisticada, e correndo o risco da simplificação, a determinação do efetivo significado desta expressão pode se dar a partir do que Gadamer chama de “fusão de horizontesâ€(5): a circunstância do momento presente é lida, interpretada, tendo em conta toda a tradição, neste caso a tradição jurÃdica, com todas as suas fontes. E a tradição jurÃdica aponta, do ponto de vista material, para a proteção integral e efetiva do hipossuficiente, de um lado, e para a efetivação de direitos, de outro lado. Lembre-se o artigo 4o. do NCPC: “As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluÃda a atividade satisfativa.â€
É de se ponderar que o rigor no exame da justificativa do devedor deve levar em conta, em um juÃzo de ponderação, a sua dignidade, o seu direito a um exame justo de sua realidade que, não se desconhece, em alguns casos é tanto ou mais mais exigente do que a do alimentando.
Não obstante, nos parece que aumenta o espaço, agora literalmente autorizado pelo texto legal, para um maior rigor no exame das justificativas dos devedores de alimentos, reservado dentro deste espaço o respeito ao direito do devedor, que se restringe à hipótese da “impossibilidade absolutaâ€. Se hoje já são estreitas as possibilidades de aceitação de justificativas, é lÃcito esperar que este rigor aumente.
(d) O regime de prisão passa a ser fechado. Artigo 528 § 4o. O CPC/73 limitava-se a referir que “se o devedor não pagar, nem se escusar, o juiz decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) mesesâ€.
Era comum que a prisão fosse decretada no regime semi-aberto, atendendo à argumentação dos devedores no sentido de que, ao serem autorizados a sair para trabalhar, teriam condições de adimplir sua obrigação, ao passo que, mantidos em regime fechado, não teriam esta possibilidade.
A opção do legislador parece ser a de não se sensibilizar com esta argumentação. E de fato, em muitos casos, a coerção acabava tornando-se branda, na medida em que o devedor tinha a possibilidade de passar o dia em liberdade, apresentando-se apenas para dormir. A perspectiva, porém, de manter-se preso em regime fechado, pode vir a constituir-se em incentivo a que o devedor de alimentos previna tal situação. Isso o levaria a não deixar chegar ao extremo do decreto de prisão. Ou seja, a possibilidade de uma penalização mais dura pode fazer o devedor antecipar-se e buscar meios de cumprir sua obrigação. Imagina-se assim que diminuam as situações de descaso que aqueles que atuamos na prática presenciamos com alguma regularidade.
Por outro lado, esta medida também pode vir a influenciar o processo de fixação da obrigação, seja por iniciativa do julgador, seja por iniciativa das próprias partes, em um processo negocial. Ou seja, o devedor tenderá a obrigar-se com o que pode realmente cumprir, e se deverá exigir do julgador que também seja mais meticuloso no exame da situação concreta.
(e) Se positivou a súmula 309 do STJ, segundo a qual “O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo†– Artigo 528 § 7o.
Este ponto não representa uma efetiva mudança. A novidade é a positivação de um entendimento jurisprudencial pacificado. Aliás, este é um fenômeno que ocorre em outras passagens do NCPC, como seria de se esperar, pois este é um movimento próprio das atualizações legislativas, que vão incorporando o conhecimento jurÃdico que a comunidade vai produzindo no curso do tempo.
O fato novo que pode haver aqui é a defesa, por alguns doutrinadores, da possibilidade de este dispositivo rever a posição atualmente consolidada, inclusive no STJ, e se aplicar o rito de prisão a dÃvidas de alimentos de origem diversa, não apenas o débito alimentar do direito de famÃlia. Este é o entendimento por exemplo de Daniel Amorim Assumpção Neves, que defende a interpretação no sentido de que a nova codificação teria trazido tratamento homogeÌ‚neo aÌ€ execução de alimentos. Segundo o referido autor, “a necessidade especial do credor de alimentos não se altera em razão da natureza desse direito, não havendo sentido criar um procedimento protetivo limitando sua aplicação a somente uma espeÌcie de direito alimentar†(6).
Também vale relembrar, ao comentar este dispositivo, que é possÃvel a instauração de dois procedimentos de cumprimento de sentença em paralelo, sendo um seguindo o rito da possibilidade de prisão, e o outro com o objetivo de executar as prestações vencidas há mais de três meses, observando o rito do cumprimento de sentença de obrigação de pagar quantia certa. Neste caso, basta que se observe o prazo prescricional, que é de dois anos, conforme o artigo 206, § 2o. do Código Civil.
(f) Possibilidade de desconto em folha de pagamento para pagamento dos débitos vencidos, podendo o desconto chegar a 50% dos ganhos lÃquidos do executado – Artigo 529 § 3o.
O CPC/73, agora revogado, limitava-se a prever a possibilidade de o juiz o mandar descontar em folha de pagamento a importância da prestação alimentÃcia, mas os percentuais de desconto ficavam a cargo da discricionaridade do juiz, a ser adequada ao caso concreto. A praxe consolidou o entendimento de ser razoável o desconto de 20% a 30%, podendo chegar a 40%, caso fosse maior o número de alimentandos.
Além disso, este desconto era possÃvel para os alimentos vincendos. Apenas em raros casos, via de regra por força de um acordo de vontades, os descontos incluiam também os alimentos vencidos. A novidade aqui está justamente nesta possibilidade: de o desconto em folha de pagamento abarcar os alimentos vencidos. E o legislador já autoriza, a priori, que o desconto somado dos vencidos e vincendos atinja 50% dos ganhos lÃquidos do devedor.
Nunca é demais relembrar que esta determinação deverá sempre levar em conta as circunstâncias do caso concreto, pois mesmo que haja o permissivo legal, a aplicação cega deste dispositivo pode levar a inquidades ainda maiores, o que por certo não é o propósito do dispositivo em questão, e nem tampouco estaria de acordo com toda a principiologia do ordenamento jurÃdico em geral e do direito processual civil em especial.
CONCLUSÃO
Em essência, o novo CPC não altera a disciplina da execução da obrigação alimentar, e nem tampouco instala um novo tratamento para o tema, o que aliás é uma tendência geral deste novo diploma legal. Uma lição básica, aprendida no inÃcio dos estudos jurÃdicos, mas que merece ser recorrentemente relembrada, é que o Direito é muito maior do que a Lei. As alterações legislativas acima brevemente comentadas estão fundamentadas em princÃpios já presentes em nosso ordenamento, como por exemplo a celeridade, o direito à atividade satisfativa, a proteção do hipossuficiente, dentre outros.
A positivação, no entanto, tem o benefÃcio de diminuir as incertezas, e as discussões bacharelescas desnecessárias, que via de regra servem apenas para alimentar o ego dos seus protagonistas.
Esperamos com este breve estudo contribuir para um melhor entendimento da matéria, e com isso colaborar para que o processo civil possa cumprir um de seus papéis mais relevantes, que é de ser o veÃculo da efetivação dos direitos daqueles que se socorrem do poder estatal para dirimir e arbitrar seus conflitos.
NOTAS
(1) Vide a respeito: DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famÃlias. 4a. ed, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2007, p. 450.
(2) TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 5a. ed, Rio de Janeiro, Forense; São Paulo: Método, 2015., p. 1304.
(3) VENOSA, SÃlvio de Salvo. Direito civil: direito de famÃlia. 8a. ed, São Paulo, Ed. Atlas, 2008, pp 347 e 348.
(4) Vide, a propósito, DIAS, op. cit, p. 482, e TARTUCE, op. cit, p. 1305.
(5) GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método. Petrópolis, RJ: Vozes, Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 1997.
(6) Novo CPC: inovações, alterações, supressões, comentadas, SP; MeÌtodo, 2015, p. 349, apud XAVIER, JoseÌ Tadeu Neves, comentários aos artigos 528 a 533, in Novo coÌdigo de processo civil anotado / OAB. – Porto Alegre: OAB RS, 2015.
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