Afinal, se eu ingressar com ação revisional contra bancos, terei meu nome inscrito em uma “lista negra”? Meu objetivo é responder a esta pergunta à luz da disciplina da proteção de dados. Este por sinal é um tema que vem se tornando de grande relevância nos dias atuais.
Neste texto, você vai ver:
1) O que seria a “lista negraâ€
2) O que de fato existe?
3) Por que a lista negra não faz sentido
4) O fundamento legal
5) E a proteção de dados?
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O que seria a “lista negra”
Circula no mercado, já há muitos anos, a “notÃcia” de que os bancos manteriam uma lista negra. Esta incluiria os nomes de todos os clientes que entrassem com ações judiciais contra os bancos. Em especial a famosa ação revisional. E quem estivesse incluÃdo, não teria mais acesso a crédito bancário.
Como professor de direito bancário, sou frequentemente questionado por meus alunos sobre a existência de uma tal lista. E a resposta que dou é a seguinte: Não faz sentido a existência de um registro desta forma. Ao menos nos moldes que as pessoas afirmam existir. Na verdade há muita confusão e desinformação a respeito deste assunto.
O que de fato existe?
As operações de empréstimo bancário, como é óbvio, pressupõem a análise de crédito dos clientes. Os bancos avaliam o risco de inadimplência, e decidem se vão emprestar, e em que valor, com base nesta avaliação. Para isso levam em conta, em especial, o histórico daquele cliente na instituição.
E também têm acesso a informações consolidadas pelo Banco Central. Estas informações refletem a situação do cliente nas demais instituições do mercado bancário. A decisão é baseada fundamentalmente nestas informações. Em operações maiores, há também uma avaliação personalizada, que pode contar com o parecer de um analista do banco.
Este conjunto de informações objetivas e subjetivas é que determina se o crédito será concedido. Em nÃvel informal e local, até é possÃvel que um gerente “marque” uma empresa ou uma pessoa. E portanto é possÃvel sim que se negue crédito por conta de uma ação judicial. Mas jamais de forma estruturada, institucional.
Esta negativa fica na discricionariedade do banco. Este não é obrigado a emprestar para ninguém. Tem o direito de escolher com quem vai fazer negócios.
Por que a lista negra não faz sentido
Algo que sempre digo para meus alunos e clientes: se a lista negra de fato existisse, os bancos restringiriam muito o seu mercado. Cruzando os dados estatÃsticos do CNJ – Conselho Nacional de Justiça – se verifica que há cerca de 10 milhões de processos judiciais contra bancos no Brasil. Isso é cerca de 20% da população economicamente ativa que tem acesso a serviços bancários. Seria uma insanidade alijar todo este contingente do mercado de crédito.
É fato que hoje temos 5 instituições que dominam mais de 80% do mercado. Porém estas instituições seguem competindo, entre elas e com outras menores. Todo o movimento que têm feito é no sentido de ampliar o universo de clientes, e não de restringi-lo. É bem verdade que há muitas pessoas fÃsicas e jurÃdicas que acabam sendo afastadas do mercado. Mas por conta de dificuldades próprias, e não por terem ajuizado uma ação judicial.
O fundamento legal
Se tudo o que se disse já não fosse suficiente, ainda há todo o sistema legal a demonstrar o absurdo da lista negra.
Em primeiro lugar, a própria Constituição Federal: No artigo 5º. inciso XXXV está escrito:
XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
Da mesma forma, o Código de Defesa do Consumidor. Diz o artigo 43:
Art. 43. O consumidor, sem prejuÃzo do disposto no art. 86, terá acesso à s informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes.
(…)
- 2° A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele.
Portanto, o banco que aceitasse criar uma tal lista negra estaria agindo contra a Constituição Federal e o Código de Defesa do Consumidor. Você poderia dizer: ah, mas os bancos descumprem a lei com regularidade. Sim, isso é verdade. Mas neste caso estariam inclusive praticando crime contra as relações de consumo. Diz o artigo 73 do Código de Defesa do Consumidor
Art. 73. Deixar de corrigir imediatamente informação sobre consumidor constante de cadastro, banco de dados, fichas ou registros que sabe ou deveria saber ser inexata:
Pena Detenção de um a seis meses ou multa.
E acredite, bancos não gostam de se verem envolvidos em ilÃcitos penais. Falo isso com base em minha experiência como gestor de departamento jurÃdico de banco.
Tudo isso sem falar no risco à reputação dos bancos, que é bastante valorado neste mercado.
E a proteção de dados?
O tema da proteção de dados já está presente em nosso direito há pelo menos duas décadas. Porém, em agosto de 2018 foi aprovada a Lei Geral de Proteção de Dados, a Lei 13.709/2018. Esta lei vai entrar em vigor em agosto de 2020. Mas já é um grande divisor de águas no tratamento deste assunto.
Vivemos uma verdadeira revolução quando o assunto é proteção de dados. O mercado corporativo como um todo está se adequando a este novo marco legal. Mas vamos focar no que interessa ao tema deste artigo: Para que você tenha uma ideia, estes são alguns dos fundamentos desta lei:
- O respeito à privacidade
- A inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem
PrincÃpios
E dentre os princÃpios desta lei destaco apenas 2 que nos são mais relevantes:
Livre acesso: garantia, aos titulares, de consulta facilitada e gratuita sobre a forma e a duração do tratamento, bem como sobre a integralidade de seus dados pessoais.
Não discriminação: impossibilidade de realização do tratamento para fins discriminatórios ilÃcitos ou abusivos.
E as penalidades são bastante pesadas. Preveem multa de até 50 milhões de reais. Sim, isso é bastante dinheiro até para bancos. E além disso, é possÃvel, ainda na esfera administrativa, as seguintes penalidades adicionais:
Publicização da infração após devidamente apurada e confirmada a sua ocorrência;
Bloqueio dos dados pessoais a que se refere a infração até a sua regularização;
Eliminação dos dados pessoais a que se refere a infração
E tudo isso sem levar em conta outras indenizações que podem ocorrer na esfera judicial. Talvez você não tenha a clareza exata do que isso significa. Mas no limite há o potencial inclusive de que o negócio seja inviabilizado. Claro que no caso de um banco, ainda mais os grandes bancos nacionais, isso não vai ocorrer na prática. Mas dono nenhum de negócio vai querer se ver exposto a estes riscos.
Conclusão
De tudo o que dissemos aqui, fica uma certeza. Lista negra, de uma forma institucionalizada, não existe. Ao menos esta é a convicção pessoal de quem está no mercado bancário há mais de 30 anos. Iniciei em 1986, e já vivenciei muita coisa. E posso garantir que este assunto da lista negra é mais ou menos como o assunto do abominável homem das neves. Muita gente diz que existe, mas até hoje não há uma prova inquestionável de sua existência.
Claro que sempre será possÃvel que alguém tome uma atitude isolada e organize alguma lista informal. Porém a lista negra não existe de forma institucionalizada. O que existe são análises de risco de crédito bastante profissionalizadas. Sim, pois os bancos brasileiros são bastante profissionais em termos de gestão de seus negócios. E a regulação e fiscalização promovida pelo Banco Central é bastante rigorosa e eficiente. Ainda mais em tempos de big data e inteligência artificial.