Neste artigo, será possÃvel descobrir se, de fato, a teoria da imprevisão pode servir como base de renegociação de contratos, em virtude da pandemia mundial causada pelo CoronavÃrus. Será exposto:
1 – O contexto atual
2 – A teoria da imprevisão e sua previsão legal
3 – A teoria da imprevisão x princÃpio pacta sunt servanda
4 – A teoria da imprevisão em tempos de pandemia
5 – Conclusão
1 – O CONTEXTO ATUAL
O efeito da Covid-19 tem tomado conta da sociedade em escala mundial. Já é possÃvel constatar que organizações dos mais diversos segmentos irão sofrer inúmeros prejuÃzos.
Em decorrência das medidas adotadas pelos governos federal, estaduais e municipais de isolamento social, os reflexos econômicos a toda população brasileira são perceptÃveis. Os afetados vão desde pessoas fÃsicas – como autônomos – a empresários, principalmente os micro, pequenos e médios empreendedores. Os danos também decorrem da esperada redução de renda.
Outro impacto significativo, sem dúvida, será no setor financeiro. Neste aspecto, algumas medidas já estão sendo tomadas, como a flexibilização dos bancos quanto ao recebimento de seus créditos. Também, o governo já anunciou pacotes de ajuda financeira emergencial a pessoas fÃsicas e jurÃdicas.
Neste mesmo cenário, as relações contratuais serão inevitavelmente atingidas, como contratos de locação, de prestação de serviços, etc. Já há notÃcias, inclusive, de contratos inadimplidos diante da falta de fornecimento de insumos provenientes da China* (confira abaixo).
Tendo em vista tal contexto, destaca-se a “teoria da imprevisãoâ€. É aplicável quando acontecimentos extraordinários, tais como o CoronavÃrus, tornem a prestação de uma das partes do contrato excessivamente onerosa.
2 – A TEORIA DA IMPREVISÃO E SUA PREVISÃO LEGAL
A teoria da imprevisão está prevista no art. 317 do Código Civil, segundo o qual “quando, por motivos imprevisÃveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possÃvel, o valor real da prestaçãoâ€.
No mesmo sentido, também está prevista no art. 478, do CC “contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisÃveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citaçãoâ€.
E, por fim, no art. 6º, V do Código de Defesa do Consumidor, que assim dispõe: “São direitos básicos do consumidor: V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosasâ€.
3 – A TEORIA DA IMPREVISÃO X PRINCÃPIO PACTA SUNT SERVANDA
Assim, como se pode constatar, a teoria da imprevisão, no Direito brasileiro, admite a revisão contratual. É um importante meio de alteração de um contrato quando as circunstâncias que envolveram a sua negociação e assinatura não forem mais as mesmas no momento da execução da obrigação contratual.
Contudo, neste contexto, certamente surge a pergunta: e o princÃpio do pacta sunt servanda? Pacta sunt servanda, para quem não sabe, é um princÃpio vigente no ordenamento jurÃdico brasileiro, que prevê a obrigatoriedade contratual. Tal princÃpio não aceita a resolução do contrato em face de prejuÃzos econômicos advindos de um mau negócio jurÃdico.
É entendido como a afirmação de força obrigatória que os pactos, contratos ou obrigações assumidos devem ser cumpridos integralmente. Uma vez que o contrato foi firmado por iniciativa das partes, sob o princÃpio da autonomia da vontade, cumpre a elas honrar todo o pacto estabelecido. Assim, é inadmissÃvel a intervenção externa para alteração do estabelecido livremente entre os contratantes.
Já a teoria da imprevisão decorre da expressão latina rebus sic stantibus, que em uma rápida tradução quer dizer: manutenção do contrato enquanto as coisas estejam assim. Ou seja, desde que mantidas as mesmas condições para todas as partes que estavam presentes na elaboração do contrato/pacto.
Trata-se, portanto, de uma exceção ao princÃpio do pacta sunt servanda. Havendo excessiva onerosidade à parte decorrente de evento posterior à celebração do contrato, poderá haver revisão das cláusulas contratuais. Assim, será possÃvel manter o equilÃbrio idêntico ao do momento em que o pacto foi firmado.
4 – A TEORIA DA IMPREVISÃO EM TEMPOS DE PANDEMIA
Dessa forma, resta superado o entendimento de que o que é contratado é justo e jamais poderá ser revisto. Todo contrato tem uma função social que, inclusive, vai além de interesses particulares dos contratantes.
A situação de quem contratou no passado, diante do cenário mundial de pandemia, definitivamente já não é mais a mesma. Não há dúvidas de que: a) trata-se de uma situação excepcional; b) a revisão contratual será imprescindÃvel em muitos casos.
Muitas empresas firmaram contratos levando em conta um cenário econômico. Entretanto, esse cenário está mudando drasticamente, abalando as atividades empresariais. Por conseguinte, está sendo criada uma situação de impossibilidade do cumprimento dos contratos nos moldes acordados.
Cabe ressaltar que a teoria da imprevisão não necessariamente implica na declaração de nulidade do contrato. Muitas vezes, o objetivo é apenas garantir uma relação de equilÃbrio entre os contratantes.
Também não cabe dizer que a revisão do contrato estaria em desacordo com o princÃpio da segurança jurÃdica. Trata-se de um instituo que visa, sobretudo, harmonizar as relações jurÃdicas.
5 – O QUE SE PODE CONCLUIR?
É importante ressaltar que a aplicação da teoria da imprevisão dependerá da análise de cada caso concreto, considerando princÃpios como: a) autonomia da vontade; b) força obrigatória do contrato; c) função social do contrato; d) boa-fé objetiva; e) equivalência material.
Especialmente com relação à boa-fé objetiva, cabe evidenciar que tal princÃpio visa garantir uma conduta leal dos contratantes. Devem ser observados os deveres que estão anexos à conduta de uma relação contratual. Tais deveres delimitam, por exemplo, qual deve ser o comportamento das partes: dever de cuidado em relação à outra parte negocial; dever de respeito; dever de informar a outra parte sobre o conteúdo do negócio; dever de agir conforme a confiança depositada; dever de colaboração; dever de agir com honestidade.
Diante de todo o exposto, não restam dúvidas de que a pandemia causada pelo CoronavÃrus e seus efeitos funcionam como fator de desequilÃbrio contratual, passÃvel de ser revisto e fundamentado na Teoria da Imprevisão.
De fato, trata-se de uma excelente alternativa para a revisão de obrigações e consequente enfrentamento deste momento de dificuldades.
*https://oglobo.globo.com/economia/com-coronavirus-apple-ja-preve-falta-de-pecas-para-montagem-de-iphone-impacto-na-receita-24254579